E lá morava eu
Eu minha Estela,
Num barraco de tabua
No alto da favela.
Eu sempre avistava
Da minha pequena janela,
Toda a grande cidade
Do alto da favela.
E de toda aquela altura
Não tinha visão mais bela,
De todo o litoral
Que parecia ser uma tela.
Era um local privilegiado
Por todos da favela,
Mas também não tinha luz
Somente as da vela.
Meu guri engraxava sapatos
Dos moradores da favela,
Mal amanhecia e lá estava
Com sua caixa e sua flanela.
De noite ninguém dormia
Por causa da batucada nas panelas,
Era o pessoal que ensaiava
Para sair na Portela.
Lá existia muitos cachorros
Tão magros que aparecia a costela,
Comiam muita imundice
E andavam atrás das cadelas.
Não havia escola
Naquela triste favela
Toda vez que via meu filho
Me lembrava do Teotonio Vilella.
O morro era cheio de assaltantes
Que fugiam das celas,
Roubavam na cidade
E se escondiam na favela.
Um dia eles roubaram
O armazém de Dona Carmela,
Roubaram um pouco de tudo:
Macarrão, pão e mortadela.
Muitos são mortos
Lá mesmo na favela,
Sem ter o pobre corpo velado
Em uma pequena capela.
Pensaram num jeito
De melhorar a favela,
Inventaram um jogo de bingo
Vendendo cartela.
Mas não deu certo.
Então, inventaram uma cancela,
Para cobrar pedágio
Aos moradores da favela.
O pedágio aumentava todo dia
Diziam que ali não se congela,
Não emitiam nota fiscal
E nem mostravam a tabela.
Muita gente não gostou
Inclusive a minha Estela,
Pois tinha ido ao mercado
Comprar quiabo e berinjela.
Quiseram agredir
A minha pobre donzela,
Desci o morro correndo
Gritando ninguém toca nela.
Começou o quebra-pau
Na subida da favela,
Apanhei muito
Mas deixei muita boca banguela.
Apareceu os homens!
Gritou a minha Estela,
Vamos fazer as trouxas
E dar nas canelas.
Hoje moramos numa
casa
Linda de pequenas janelas,
Longe de todo barulho
Longe da triste favela.
Marcelo Santos
Itaguai, RJ
29/07/1986